Tarsila do Amaral - Operários |
Caracterizado pela produção industrial, pela predominância do trabalho assalariado e pela hegemonia da ideologia liberal, capitalismo, no Brasil surgiu dentro de um contexto de superação das condições coloniais que fez da nossa economia um complemento periférico à expansão mercantilista e ao processo de acumulação primitiva de capital da Europa ocidental, onde o mundo contemporâneo se formou e de lá se espalhou pelo mundo com o protagonismo e a condução das classes dirigentes (burguesia) desse continente. Devido a nossa condição de colônia, o capitalismo no Brasil desenvolveu-se marcado por um atraso histórico e uma dependência externa em relação à consolidação da economia de mercado na Europa.
O atraso pode ser citado como característica geral de todo o desenvolvimento social brasileiro. Para começar, quando os europeus por aqui chegaram, grande quantidade dos povos nativos ainda viviam sob condições paleolíticas de subsistência. A colonização portuguesa da América, iniciou-se depois do início da conquista espanhola. Antes da independência brasileira, podemos citar mais de uma dezena de países americanos à nossa frente no rompimento de relações de subordinação política à Europa. A abolição da escravidão brasileira foi a última da América e para finalizar essa breve exposição do nosso atraso histórico, a proclamação da república que nos demais países americanos, via de regra, acompanhou a independência (com exceção do México) e a abolição da escravidão (com exceção dos Estados Unidos), só foi alcançada em 1889 no Brasil.
A dependência do desenvolvimento do capitalismo brasileiro pode muito bem ser verificada no nosso processo de industrialização. Não existiu uma revolução industrial no Brasil, não desenvolvemos novas máquinas e tecnologias aqui. Nossas primeiras fábricas foram criadas com máquinas velhas, vindas da Europa, onde estavam em processo de substituição por novas e mais modernas. Aliás, desde então, tornou-se recorrente adquirirmos sucatas tecnológicas dos países mais desenvolvidos. Tanto as máquinas quanto o capital necessário ao investimento inicial da construção de nossas primeiras indústrias vieram da Europa. Irineu Evangelista de Sousa, O Barão de Mauá, primeiro grande burguês brasileiro, primeiro dono de Fábrica no Brasil, que chegou a ser o homem mais rico do país na época do governo de Dom Pedro II, foi acima de tudo um sócio de empresas estrangeiras com os quais negociou e lucrou o suficiente para construir um imenso patrimônio.
No caso da nossa industrialização, o atraso e a dependência não foram os únicos empecilhos que necessitaram ser superados no caminho da consolidação do capitalismo brasileiro. O passado colonial pesou muito. Durante o período do mando português, a instalação de manufaturas e indústrias foram providencialmente proibidos de se instalarem no Brasil com o intuito de garantir a exclusividade no fornecimento desses produtos aos comerciantes portugueses, afinal a colônia portuguesa foi criada para dar lucro a burguesia lusitana e enriquecer a metrópole. Além disso, o modelo econômico forjado na colonização, era voltado à produção para o mercado externo com base em atividades primárias como o extrativismo vegetal, a agricultura, a pecuária e a mineração (especialmente no século XVIII), isso gerou uma classe dirigente aristocrática e escravista, que simplesmente não se interessava nesses negócios de industrializar o país, estavam satisfeitos e felizes em consumirem produtos europeus.
Outra condição essencial para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro foi a consolidação de um mercado consumidor, restrito no passado brasileiro as classes altas, já que a economia construída nos tempos de colônia e continuada após nossa independência, era baseada na exploração do trabalho escravo e esses trabalhadores que compunham a base de nossa sociedade não eram consumidores. Era necessário substituir os escravos por trabalhadores assalariados, o que ocorreu de maneira muito lenta e gradual no Brasil, o que foi acompanhado de muita pressão externa. Foi a Inglaterra, berço da primeira revolução industrial, cheia de produtos para nos vender que mais pressionou o governo brasileiro a acabar com a escravidão. Diplomaticamente, desde o reconhecimento de nossa independência a cobrança era continua. Mas a falta de iniciativas do governo brasileiro em promover a abolição, levou o parlamento inglês a aprovar em 1845 a lei “Bill Aberdeen” que autorizava a marinha de guerra inglesa a afundar os navios negreiros. Foi uma declaração de guerra ao tráfico negreiro, ao qual o governo imperial brasileiro finalmente sucumbiu em 1850 com a aprovação da lei “Eusébio de Queirós" que proibiu a vinda de novos escravos da África para o Brasil.
O fim do tráfico negreiro foi uma medida decisiva para o fim da escravidão e o início da construção de uma economia de tipo capitalista no Brasil. Acontece que o sistema escravista era mantido graças a renovação da mão-de-obra escrava com o tráfico. Não era economicamente viável reproduzir os escravos. As péssimas condições de vida dos cativos não lhes proporcionam uma vida muito longa. O bom para o latifundiário, explorador do trabalho escravo, era adquirir um escravo jovem e usá-lo (abusá-lo e esgotá-lo) ainda com pouca idade, mas sem ter que preocupar-se com as despesas de seu sustento enquanto criança até chegar a uma idade em que o fruto de seu trabalho fosse satisfatoriamente rentável. O fim da fonte de renovação dos escravos em 1850, levou ao envelhecimento e a uma redução paulatina desses trabalhadores, com um movimento contrário de aumento crescente do número de assalariados, processo que foi acompanhado por uma política pública de incentivo à migração de povos europeus para trabalharem no Brasil. Uma herança do escravismo foi o preconceito com os negros. As classes altas brasileiras não queriam pagar salários aos negros, preferiram investir na importação de trabalhadores brancos europeus.
Passando pelas “leis para inglês ver” (a lei do vente livre de 1871 e a lei do sexagenário de 1885), a derradeira “lei áurea” de 13 de maio de 1888 aboliu definitivamente a escravidão legal e foi fato determinante para a queda da monarquia e a proclamação da república, já que o poder dos imperadores brasileiros era baseado no apoio da aristocracia escravista. Findado o regime escravista, as classes altas brasileiras não tinham mais motivos para apoiar um sistema de governo ultrapassado. As mudanças econômicas e políticas promovidas pela abolição e a proclamação da República, segundo o sociólogo Octavio Ianni, em sua obra, “O ciclo da revolução burguesa” foram o ponto de partida para a consolidação do capitalismo brasileiro, processo que o mesmo autor considera encerrado em 1930 com a chamada “revolução de 30”.
Nesse período, entre 1888/89 e 1930, a “Grande Guerra” , mais tarde chamada de primeira guerra mundial, marcou o primeiro grande surto industrial brasileiro, na medida em que os tradicionais fornecedores de produtos industrializados ao Brasil envolveram-se no conflito e os chamados esforços de guerra colocaram em segundo plano as exportações que abasteciam o Brasil. Nesse momento iniciou-se o chamado processo de substituição de importações, pelo qual produtos que eram adquiridos da Europa começaram a ser produzidos no Brasil. O capital que antigamente era utilizado para a importação de escravos, nesse momento, teve papel primordial na implantação de novas fábricas no Brasil. O processo de substituição de importações foi na verdade nossa revolução industrial. A especialização na produção de mercadorias e a divisão da sociedade entre burgueses e proletários, que segundo Marx são os fundamentos do capitalismo, se completam no caso brasileiro com a industrialização que a partir de 1930 com a liderança política e o incentivo estatal de Getúlio Vargas toma proporções internacionais.
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