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Na prática, como reformador, ainda podemos citar o rei Henrique VIII |
Em meio a mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais, vividas pela Europa, no início da idade moderna, provocadas fundamentalmente pelas consequências da expansão marítima e comercial daquele continente, a vida religiosa dos europeus também sofreu processos de mudanças e adaptação aos novos tempos. A Igreja Católica, que no período da idade média, tornou-se uma instituição poderosa, muito devido ao fato de ter assumido funções públicas como a educação e a assistência aos desamparados, através dos quais aos poucos passou a monopolizar a fé e a orientação espiritual dos europeus, dessa vez começou a perder influência, poder e fiéis.
Erasmo de Roterdã, na sua obra “O elogio da loucura” (1509), sobre o papel da Igreja Católica no mundo medieval escreveu: “ As pessoas corriam para as Igrejas como se fossem teatros, para saciarem a sensualidade de seus ouvidos”. Mais que poderosa a Igreja tornou-se rica e com a riqueza veio a corrupção do alto clero. Antes da expansão dos negócios burgueses que marcaram a época moderna, a Igreja que ensinava sobre as virtudes da pobreza para seus fiéis, já praticava uma série de negociatas: vendiam cargos e funções religiosas, relíquias sagradas e até o perdão para os pecados (as famosas indulgências). Muitos representantes do clero desconheciam a doutrina que representavam, não cumpriam o celibato e tinham mulheres e filhos. Por meio da ação corrompida de membros da alta hierarquia a Igreja afastou-se do que pregava.
Muitos críticos aos desvirtuamentos da Igreja em meio a abundância material, foram reprimidos e alguns até exterminados pela poderosa organização que era o centro da vida cultural europeia durante a idade média. Mas a partir do período renascentista as coisas começaram a mudar. As críticas ao comportamento do alto clero aumentaram, tornando-se cada vez mais sistemáticos e públicos.
Nesse novo contexto, Martinho Lutero, monge agostiniano e destacado teólogo, tornou-se o primeiro crítico veemente a escapar da repressão do Vaticano. Entre seus famoso escritos declarou: “Embora eu vivesse uma vida impecável como monge, sentia-me um pecador de consciência pesada diante de Deus. Também não podia acreditar que o tivesse agradado com minhas obras. (...) Eu era um bom monge, e mantinha minha ordem de modo tão estrito que se algum dia um monge pudesse chegar ao Paraíso pela disciplina monástica, eu seria esse monge. Todos os meus companheiros no mosteiro confirmariam isso. (...) E no entanto minha consciência não me dava certeza e eu sempre duvidava e dizia: ‘Não fizeste isso direito. Não foste suficiente contrito. Deixaste isso de fora da confissão’.”
Incomodado e manifestando publicamente suas inquietações, Lutero acabou excomungado (expulso) da Igreja. Na verdade, o Papa Leão X queria uma punição bem mais exemplar para esse padre rebelde. Mas protegido pela sua comunidade que chegou a esconder o monge, Lutero sobreviveu e acabou fundando uma nova Igreja cristã não católica na região da atual Alemanha onde vivia (a Igreja Luterana). Seu triunfo serviu de exemplo e motivação para outros teólogos que em regiões diferentes da Europa ocidental também inauguraram novas Igrejas cristãs seguindo orientações diferentes das tradicionais e julgadas distorcidas, vindas de Roma.
Martinho Lutero iniciou portanto um movimento de rupturas com a Igreja de Roma. Cabe destacar que essa não era sua intenção. Lutero pretendia estimular reformas dentro do catolicismo. Mas a intransigência do alto comando católico acabou dando outro desfecho ao ativismo de Lutero que ficou conhecido também como o primeiro a traduzir os textos bíblicos originais para uma língua falada e acessível, no caso o alemão. Essa atitude, é claro, foi embasada numa concepção de cristianismo e de organização religiosa diferente da oficial de Roma.
Mas Lutero não agiu sozinho. Como todo ser humano, dotado de cultura, foi produto de seu tempo. Tempo que gerou outros reformadores do cristianismo como Thomas Müntzer que estudou junto com Lutero e também concordava com uma reforma no Catolicismo mas divergia em outros pontos. Müntzer também defendia a livre interpretação da Bíblia (dai a importância de sua tradução). Para ele, a Igreja estava no espírito e na fé de cada indivíduo, contudo, diferente de Lutero, para Muntzer, como todos eram iguais perante a Deus, hierarquias sociais e a própria divisão entre nobres, clero e servos não eram vistas como justificáveis do ponto de vista da sua interpretação das escrituras sagradas.
Aqui vale uma observação importante: a noção de igualdade, ou seja, a ideia de que cada um é igual perante aos outros começou a desenvolver-se nesse período histórico (século XVI). A individualidade e a concepção de igualdade não eram conceitos e valores fundamentais difundidos na mentalidade europeia até o momento – isso porque a comunidade era um valor muito mais relevante na Idade Média. Assim, a Modernidade começou a introduzir essa nova visão de mundo pela justificativa religiosa na Reforma e muito graças às reflexões de Müntzer, que fiel a radicalidade de suas ideias envolveu-se em revoltas camponesas nas quais acabou morrendo.
Outro importante sucessor de Lutero, com igual sucesso, foi o monge João Calvino que introduziu a ideia de “predestinação absoluta” no cristianismo. Segundo a pregação de Calvino, a riqueza adquirida em vida, através do trabalho, era um sinal de bênção divina. Essa nova abordagem agradou a ascendente burguesia da época, que na França, nos países baixos e na Inglaterra se converteram em massa à nova Igreja fundada por Calvino (chamada Calvinismo ou Presbiterianismo).
Os teólogos reformadores do início da era moderna deram início a um movimento de proliferação de Igrejas Cristãs (chamadas evangélicas no Brasil), num movimento que se estende até os dias de hoje. Mais recentemente, no sentido inverso, o movimento ecumênico cristão busca superar as diferenças, em busca de cooperação e até de uma possível unificação das Igrejas cristãs em uma única congregação.
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