ESCRITO ANTES DO SEGUNDO TURNO DE 2022, QUANDO ACABOUSONARO.
Corrupção, segundo o minidicionário Luft que tenho aqui ao meu lado, é substantivo feminino e significa: 1. ato ou efeito de corromper (-se) 2. Depravação 3. Suborno. Possui a variante corrução. O termo vem do latim “corruptus” e tinha o sentido de “quebrar aos pedaços” para estragar. Na informática usamos muito a expressão “disco corrompido” para nos referirmos a um HD com defeito. Do ponto de vista humano, a corrupção também tem sido vista como um defeito, ético ou moral, identificada como a utilização de um poder ou autoridade de um indivíduo ou grupo para conseguir vantagens desleais sobre outros.
Embora manifeste-se em vários âmbitos da vida social, como no trabalho e nas religiões, é no debate e na discussão política que a corrupção tem ganhado relevância. Uma pretensa luta contra a corrupção tem servido de bandeira política no Brasil, pelo menos desde a época de Getúlio Vargas. Claro, durante a vigência da Monarquia era mais que crime, quase um pecado, criticar o comportamento do Imperador e na Primeira República, da mesma maneira o debate central era de ampliar a participação popular no jogo político e construir um sistema de governo mais democrático.
Ainda que questões morais sobre os governos e os governantes brasileiros tenham sido consideradas, principalmente entre os militares, desde a proclamação da República, passando pelo movimento tenentista até a “Revolução de 30”, foi após a eleição de Vargas em 1950 que o discurso anticorrupção começou a ganhar força, estimulada especialmente por elites endinheiradas (justamente as mais corruptas e imorais) que patrocinam órgãos de imprensa e instigavam as camadas médias da sociedade a combater as medidas “populistas” que beneficiavam os setores mais necessitados da sociedade.
A adesão de boa parte da classe média a essas lutas demagógicas contra a corrupção é uma maneira de esconder a verdadeira canalhice que está por trás de sua motivação. Ao levantar a bandeira do combate à corrupção, eles se sentem mais a vontade do que se estivessem manifestando abertamente o que realmente sentem: uma aversão aos mais humildes e o medo de vê-los melhorando suas condições de vida a ponto de ocuparem os mesmos espaços e atingirem os mesmos padrões de consumo que caracterizam essas camadas médias.
Essa falsa luta serve sobretudo para esconder a verdadeira essência da corrupção que é sua intrínseca relação com a lógica capitalista, a lógica das disputas econômicas entre as empresas, a lógica da apropriação privada da riqueza que se converte em poder político e volta a ser convertida em vantagens econômicas. A corrupção não decorre tão somente da desonestidade dos políticos, como nos querem fazer crer os verdadeiros detentores do poder. Ela é apenas um aspecto secundário, engrandecido para escurecer a visibilidade de uma realidade que se quer esconder.
O falso discurso anticorrupção era a principal arma do jornalista Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas, um presidente que pode ser questionado sim, criticado sim, mas com argumentos verdadeiramente políticos. Pode ser criticado por ter sido um ditador, mas não por especulações sobre sua integridade moral, não por ter usado seu poder para privilegiar a si e a seus próximos, o que de fato não ocorreu. Getúlio dedicou sua vida a modernização brasileira, trabalhou pela nossa industrialização e a verdade é que morreu mais pobre do que quando entrou para a política. Aliás, a morte de Getúlio deve ser estudada e entendida por todo o brasileiro que sonhe em construir uma nação soberana.
A mesma falácia moralista foi utilizada na eleição de 1960 pelo desastroso Jânio Quadros que aos gritos dizia em campanha que se não conseguisse varrer os corruptos da política brasileira com sua vassoura iria fazer uso do cabo dela também. O discurso fácil, apoiado por importantes veículos de imprensa, fez Jânio eleger-se pelo voto direto com o apoio das classes médias e das forças políticas mais retrógradas da nação. No poder não conseguiu apresentar um projeto político coerente que pudesse fazer frente aos verdadeiros problemas do país. Nem seu bilhete de renúncia foi levado a sério num primeiro momento e por fim, ninguém pediu para ele reconsiderar e ficar.
Em 1964 um golpe militar instituiu uma ditadura no Brasil. O discurso contra a corrupção deu um tempo na mídia. Claro, censura, controle da imprensa, repressão, não dava mais para falar em corrupção, mas ela estava lá, como revelaram os trabalhos das Comissões da Verdade que reuniram depoimentos que relataram práticas de suborno tão corriqueiras quanto as torturas da época. Fiesp, Itaú e tantas outras empresas e empresários ganharam muito dinheiro, na base da propina, com a ditadura.
Aqui é bom salientar outro aspecto importante: se tem corrupto, tem também o corruptor. Esse é outro detalhe da lógica capitalista deixada propositalmente de fora dos recorrentes discursos reverberados pela imprensa hegemônica. E para fechar o assunto, a ditadura militar não foi ruim “só” porque foi corrupta, a questão principal, como na épocas da monarquia, era ampliar a participação política e retomar o caminho da construção de um regime participativo e democrático para o país.
No processo de abertura democrática, surge Fernando Collor de Melo, novamente com o apoio da grande mídia e novamente como representante da moralidade. Era o “caçador de marajás”, uma gíria que identificava funcionários públicos que ganhavam muito e trabalhavam pouco se é que trabalhavam, ou eram simplesmente “funcionário fantasmas”. Essas eram novas versões de corruptos. Mais um engodo, mais um demagogo, mais uma decepção para os brasileiros.
Mais recentemente a retórica da luta contra a corrupção foi retomada e ressurgiu como conteúdo programático do “antipetismo”, movimento político supra partidário apoiado pela grande mídia, pela maioria do Congresso e do Judiciário. Inicialmente promoveram o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a seguir condenaram (por corrupção), sem provas, o ex-presidente Lula o que resultou finalmente na eleição do presidente Jair Messias Bolsonaro e de tantos outros deputados e Senadores pilantras e incapazes de gerir a "coisa pública" no sentido de garantir uma vida mais digna aos brasileiros.
Não é difícil encontrar entre os eleitores e apoiadores de Bolsonaro o argumento de que ele acabou com a corrupção. “Não rouba e não deixa roubar”. Pelo menos isso era o que eu ouvia com mais frequência no início do seu mandato. Ao que me parece as evidências comprovam que não é bem assim e a maioria da população brasileira já percebeu isso. Os mais atentos e informados já associavam Jair Bolsonaro, seus filhos e suas ex-mulheres à corrupção e outros crimes muito antes de ele chegar à presidência: seus vínculos com as milícias; suas inúmeras propriedades e imóveis, adquiridos sem rendimentos legais que os pudessem justificar e frequentemente em dinheiro vivo vindo não se sabe (mas se desconfia, lógico) de onde. Mas aqui outra vez, não se trata apenas de corrupção, Bolsonaro deve ser lembrado para sempre pelo que fez, ou deixou de fazer, pelo Brasil e seu povo.
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