ENTRE O TRABALHO E O QUE FOI PLANEJADO

Devemos ter clareza de como chegamos onde estamos. O mundo do trabalho que vivemos foi construido dentro de um processo de intensa e profunda racionalização da produção característica da sociedade de mercado que vivemos. Esse mesmo processo racional foi acompanhado de intensa luta por parte dos trabalhadores para conseguirem melhores condições de vida e trabalho.

Nesse contexto ter uma profissão regulamentada, conseguir firmar um contrato e ter uma carteira assinada é uma conquista. No entanto, existe uma grande diferença entre o que é normalmente descrito nesses contratos e estabelecidos em organogramas com funções de cargos e as atividades, com o que os trabalhadores tem que lidar no seu dia a dia.

As razões para essa discrepância podem ser múltiplas, mas não podemos deixar de explorar o fato de que os procedimentos concebidos aos trabalhadores serem criados não por eles próprios, mas por terceiros, distantes dos trabalhos concretos até em seus ambientes de elaboração.

Encontramos um problema fundamental ao perceber que não é do local de trabalho que surgem as prescrições de sua realização, assim é previsível esperar discrepancias entre o que foi previsto como ideal de operação e as atividades reais do dia a dia. Acontece que quando se trabalha, nunca é 100% como foi imaginado. Nós não podemos prever todas as contingências e as surpresas na realização do trabalho cotidiano. Mas sabemos que elas existem.

Para conseguir alcançar os objetivos esperados, os trabalhadores precisam interpretar, a sua maneira, as prescrições que lhes são passadas e dar-lhes vida, dar-lhes sentido e também serem capazes de superar todas as anomalias pelas quais são confrontados no seu trabalho cotidiano.

Enfrentar as dificuldades práticas, encontrar soluções e inventar pequenas astúcias é desenvolver toda uma série de conhecimentos e competências específicas próprias a uma categoria profissional ou a um grupo social, o que torna o mundo do trabalho um espaço de criação de um comportamento coletivo compartilhado.

Por exemplo, em um determinado ambiente, os mais velhos ensinam os mais jovens: “Hei, senta direito ai, essa postura não vai fazer bem para suas costas”. Muitos acidentes de trabalho foram evitados graças a conhecimentos compartilhados. O trabalho real é, em relação ao trabalho prescrito, a atuação prática de toda uma vida coletiva criada em torno dessa coletividade.

Essa vida social, essa sociabilidade se impregna também de um sentido político. Há, em torno do trabalho real, tomadas de consciência coletivas, sindicais, políticas, morais, que fazem as pessoas sentirem que elas compreendem o que lhes está acontecendo e porquê. Elas podem vincular suas experiências às dimensões econômicas e políticas que vão além de seu local de trabalho.

No entanto, hoje em dia, aliada a uma crescente automatização da produção, existe uma intencional ênfaze na individualização do trabalho, com o avanço das ideologias que pregam a flexibilidade e a preparação de mão-de-obra multi funcionais. São ameaças concretas aos benefícios do trabalho coletivo, intencionalmente planejadas que apresentam novas dificuldades para os trabalhadores. Onde chegaremos se trocarmos a solidariedade pela solidão no mundo do trabalho? 

 


Um comentário:

  1. O trabalho real faz com que pessoas tenham tomadas de consciência coletivas, sindicais, políticas, morais, que fazem as pessoas sentirem que elas compreendem o que lhes está acontecendo e porquê. Elas podem vincular suas experiências às dimensões econômicas e políticas que vão além de seu local de trabalho.
    Já o trabalho prescrito se vê no conceito de referir-se ao que é esperado no âmbito de um processo de trabalho específico, com suas singularidades locais. O 'trabalho prescrito' é vinculado, de um lado, a regras e objetivos fixados pela organização do trabalho e, de outro, às condições dadas.

    Bernardo Nielsen | T.106

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