"É preciso desmistificar a pesquisa" - (Professor Pedro Demo)

 

O livro do Professor Pedro Demo "Pesquisa princípio  científico e educativo" foi me apresentado pela professora Leonice no curso de mestrado profhistória, onde ingressei sem ter que apresentar um projeto de pesquisa prévio como acontece com a maioria dos cursos tradicionais de mestrado no nosso país. Um projeto de pesquisa prévio é uma condição interessante dos cursos de mestrado cuja ideia é formar pesquisadores. A proposta de Pedro Demo é possibilitar um acesso mais prévio aos estudantes da Educação Básica a pesquisa e a própria introdução a produção científica e acadêmica.

Na introdução desse livro Pedro Demo apresenta a pesquisa como uma prática humana que deve ultrapassar os limites convencionais do ensino superior e ser aplicado como recurso metodológico e pedagógico já no ensino básico com amplas possibilidades de formação de consciência crítica e de emancipação pessoal, que se opõe as práticas tradicionais de educação baseadas na transmissão de conhecimentos copiados e não elaborados pelos sujeitos do processo educativo. Tal pretensão se apresenta como um desafio aos educadores, em especial aos comprometidos com uma transformação social.

No capítulo I “Pesquisar – o que é?” Pedro Demo afirma que a pesquisa é algo mais que a mera busca do conhecimento, é uma atitude política progressista de alguém que quer conhecer melhor o mundo e a realidade que o cerca, o que lhe permite melhor intervir nessa realidade. Essa atitude política convive com outras atitudes mais conservadoras que dissociam o processo de construção do conhecimento do processo de mudar a realidade. Essas mesmas posições conservadoras, frequentes no mundo acadêmico onde a pesquisa se processa com mais facilidade e naturalidade, dissociam a pesquisa do ensino pelo descomprometimento com a luta por um mundo melhor e mais humano. Demo propõe enfrentar essas posições que defino como conservadoras que produzem professores que segundo ele nunca ultrapassaram a condição de alunos e que portanto só sabem reproduzir o que aprenderam sem desenvolver a capacidade investigativa humana em si próprios nem em seus alunos. A pesquisa defendida como capacidade de elaboração própria deve ser estimulada. Mas nesse ponto, ressalta o autor, devemos tomar cuidado com os tipos de pesquisa possíveis e com a metodologia adotada, já que são muito frequentes pesquisas empíricas que acumulam dados que não são suficientes para melhorar o conhecimento que temos do mundo e não contribuem para melhorarmos nossa qualidade de vida. Ao contrário, métodos que privilegiem pesquisas qualitativas dos dados devem ser preferidas sobre as primeiras por cumprirem melhor o potencial emancipatório que a pesquisa intrinsecamente possui. Da mesma forma é importante que o pesquisador tenha uma boa fundamentação teórica, saiba construir as perguntas para obter as melhores respostas. Faz parte dessa fundamentação teórica conhecer a fundo referências alternativas a sua pesquisa, atualizar-se com a produção já existente, elaborar precisão conceitual, atribuindo significado estrito aos termos básicos de cada teoria e investir na consciência crítica, que se alimenta de alternativas explicativas que circulam entre a prática e a teoria. Ao lado da fundamentação teórica temos a preocupação metodológica marcada pela noção de que metodologia se aprende e não se cria. Hora se a pesquisa é construção de conhecimento, ao se construir se cria sim. Ao lado de uma boa fundamentação teórica sobre o que se quer conhecer a pesquisa deve ser orientada pelo como conhecer. Pesquisa é processo criativo que se faz com método que não deve ser apenas copiado, mas desenvolvido como o próprio conhecimento que se quer alcançar. A pesquisa fundamentada em teoria e método é a base do conhecimento científico que supera o senso comum.
Por fim a pesquisa deve ser guiada por um senso prático, deve servir para alguma coisa, de preferência para mudar alguma coisa. Demo argumenta que se conhece com mais perfeição o que se pode mudar. Esse senso prático deve ultrapassar os limites da mera teoria se pretendemos fazer da pesquisa um processo de construção emancipatória do conhecimento. Teoria e prática devem andar lado a lado sem deixar brechas por onde possam entrar vícios teorizantes que dissociam o conhecimento da realidade e por isso tornam inúteis os potenciais emancipatórios da pesquisa. Demo argumenta ainda que a pesquisa participante, onde se elimina a separação entre sujeito e objeto, é talvez a melhor proposta de valorização dessa prática como fonte de conhecimento que se torna autoconhecimento e “puxa” a ciência para o cotidiano. Pesquisa prática quer dizer “olhos abertos” para a realidade, tomando-a como mestra de nossas concepções. Quem está em atitude de pesquisa sempre aprende e naturalmente muda de posição, no dinamismo natural de uma realidade. Ao contrário da tendência teórica típica que “ensaca” a realidade na teoria, a pesquisa prática busca o movimento contrário: colocar realidade na teoria, obrigando a teoria a se adequar e nisto a se rever, mudar e mesmo se superar.
Outra observação relevante levantado pelo autor sobre a metodologia científica é que descobrir e criar são coisas diferentes, ainda que possam e talvez devam andar juntas. A pesquisa analítica descobre e, nisso cria conhecimento novo, mas muitas vezes não se cria pela pesquisa, condições de mudança principalmente com relação as questões ideológicas. O processo de pesquisa que na descoberta, questiona o saber vigente e cria conhecimento novo, é a pesquisa que, questiona a situação vigente sugere, pede e/ou força o surgimento de alternativas.
Por fim a apresentação do que é pesquisar encerra-se com a apresentação da pesquisa como diálogo inteligente com a realidade, tomando-a processo e atitude integrante do cotidiano. Aqui coloco uma citação interessante do livro:

“Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de verdade dialogar, porque têm com que contribuir. Somente quem é criativo tem o que propor e contrapor. Um ser social emancipado nunca entra no diálogo para somente escutar e seguir, mas para demarcar espaço próprio, a partir do qual compreende o do outro e com ele se compõe ou se defronta.”

Demo afirma que de certa maneira a pesquisa se confunde com a filosofia, eu ainda vou mais longe e defendo a tese de que a filosofia é a mãe de todas as ciências e em seu sentido original a filosofia se relaciona com o apreço pela sabedoria. Nesse sentido, o que faz da aprendizagem algo criativo é a pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao desafio, desfazendo a tendência meramente reprodutiva. Aprender, além de necessário sobretudo como expediente de acumulação de informação, tem seu lado digno de atitude construtiva e produtiva, sempre que expressar descoberta e criação de conhecimento. Ensinar e aprender se dignificam na pesquisa, que reduz e/ou elimina a marca imitativa do processo ensino-aprendizagem. Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa. Pesquisar não é somente produzir conhecimento, é sobretudo aprender em sentido criativo. E isso não redunda apenas em competência técnica e científica; funda também um passo essencial no processo emancipatório. Dialogar com a realidade talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha como princípio científico e educativo. Quem sabe dialogar com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania. Não faz sentido dizer que o pesquisador surge na pós-graduação, quando, pela primeira vez na vida, dialoga com a realidade e escreve trabalho científico. A proposta do autor é de que a pesquisa comece na infância e se estenda em toda a vida social. Educação criativa, segundo ele, deve começar e viver da pesquisa, o quanto antes na vida humana, de preferência desde os primórdios da existência dos indivíduos humanos.
O capítulo II do livro intitulado “A pesquisa como princípio científico” começa com uma crítica a atual situação vivida pela pesquisa confinada dentro das instituições universitárias e dos resultados limitados que se vêm alcançando com essas práticas. Demo argumenta que as universidades (em especial as brasileiras pelo que suponho) tem falhado absurdamente, por conta da postura criticável de se concentrar na transmissão ou imitação do conhecimento, negligenciando os papéis do professor e do aluno como protagonistas do aprendizado. Essa falha é agravada por uma estrutura curricular que propicia esta circunstância, onde a prática se encontra desconexa da teoria, e por vezes desconexa da própria realidade cultural, deixando as descobertas de novos conhecimentos a desejar. Para reparar essa falha é preciso se intensificar e se revitalizar a pesquisa como ferramenta de construção do conhecimento científico e se aperfeiçoe continuamente a formação dos futuros professores, para prepará-los instrumentalizá-los cada vez melhor para a grande missão que é educar os cidadãos para desenvolverem a capacidade de gerenciar seu próprio desenvolvimento. Nesse sentido um dos papéis primordiais reservados à educação consiste em dotar a humanidade de capacidade de gerenciar seu próprio desenvolvimento, fazendo com que cada pessoa assuma a responsabilidade por seu próprio destino e, dessa maneira, contribua para o progresso da sociedade em que vive. Para que cada ser humano desenvolva plenamente sua humanidade, é necessário que lhes sejam dadas as condições para que se torne progressivamente mais autônomo, ou seja, que ele possua liberdade e responsabilidade em todos os aspectos de sua vida, do pessoal ao intelectual. Não se constrói autonomia reproduzindo o que já foi feito. As pessoas tornam-se autônomas refletindo, reelaborando, adaptando, criando, inventando. Demo propõe enfrentar e a superar a atual situação da pesquisa e buscar soluções para nossos problemas redefinindo o papel do professor como orientador que indica o caminho da biblioteca ao mesmo tempo que redefinimos o papel do aluno, motivando-o, incentivando-o e estimulando-o na sua capacidade de produção e elaboração do próprio conhecimento. A escola deve se tornar uma comunidade de aprendizagem coletiva onde professor e alunos, são considerados parceiros na prática da pesquisa. A ideia é que precisamos de uma nova universidade assim como precisamos de uma nova escola, da mesma maneira que precisamos de novos métodos, inclusive de avaliação, baseadas novamente em aspectos qualitativos que superem os aspectos quantitativos mais populares na atualidade perversa que vivemos.
No capítulo III “A pesquisa como princípio educativo” se reafirma o que foi explanado e defendido anteriormente, mas agora o foco se volta para a educação básica especificamente, onde se afirma a necessidade da formação de professores “cientistas” intimamente ligados a prática da pesquisa, que saibam estimular cada aluno em assumir sua responsabilidade no processo de conquista e exercício da qualidade de ator consciente e produtivo de sua existência. É papel das universidade preparar esse professor, não através de aulas expositivas e leituras, mas através da própria pesquisa. É papel de a universidade levar os futuros professores a vivenciar a experiência gratificante de ser coautor de suas teorias e de suas práticas e de se apropriar ativamente do conhecimento, e de reelaborar o que já se sabe sobre a vida e o mundo, numa jornada de descoberta e criação que ele poderá, mais tarde, revelar para seus alunos, pois é na educação básica que esse processo deve chegar e é nos professores onde se começa a mudança. Aqui a questão é que o problema da educação se encontra nos professores, não nos alunos. E são os professores os primeiros que devem aceitar os desafios de recuperar o lugar que a escola tem no desenvolvimento social humano.
O capítulo IV que encerra o livro intitula-se “Prática de pesquisa e educação” faz referência a uma experimentação das teses levantadas até agora nessa obra realizada no Instituto Superior de Educação do Pará (ISEP) que a partir da elaboração de um currículo para a formação de professores, fez experiências no sentido de estimular a pesquisa entre 100 alunos das séries iniciais da educação fundamental. A referida experiência demonstrou tanto a possibilidade e viabilidade de implementação da proposta pedagógica em questão, quando a dificuldade de superar a escola como a conhecemos atualmente. Acho que a viabilidade da proposta não precisa ser reafirmada aqui, o mais relevante penso é destacar as dificuldades naturais que consistem em sair da teoria e entrar na prática de fazer algo novo. Demo ressalta que adotar novas práticas educacionais significa assumir uma postura política igualmente inovadora o que nem sempre é fácil de se concretizar por vários motivos entre eles a acomodação dos professores. De qualquer forma a conclusão que podemos chegar é que a maior dificuldade de implementação de uma educação emancipatória baseada na pesquisa como princípio educacional encontra mais resistência entre os professores do que entre os alunos. Bom penso não ser esse o meu caso,

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