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As Ruas e as Urnas

Resposta ao editorial da RBS de 08/10/2014 sob o mesmo título.


Nas vésperas de um ano eleitoral, a partir de junho de 2013, a nação foi surpreendida por mega-manifestações populares que levaram milhões de cidadãos as ruas para reivindicar uma gama de coisas que começavam pela redução das tarifas do transporte público, passavam pelo fim da corrupção e chegavam alcançar as mais nobres e variadas causas humanistas. Esse evento causou grande surpresa a todos, até mesmo aos anônimos promotores das manifestações e a seus protagonistas que não tinham ideia do tamanho e da projeção do que estavam fazendo. Era um movimento eclético com inúmeras reivindicações e que até hoje não foi compreendida na sua complexidade. O que se pode claramente perceber foi o clamor popular por mudanças na política, na economia e na sociedade brasileira.
Ficou também a expectativa de que essas manifestações se refletiriam de alguma maneira nas eleições de 2014. Mas encerrado o pleito do primeiro turno com as novas composições eleitas nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional verificou-se a eleição e principalmente a reeleição de políticos tradicionais e uma baixíssima renovação nos parlamentos nacionais o que significou para os analistas políticos representantes das classes mais abastadas da nossa sociedade, uma discrepância entre o resultado das urnas e o a vontade das ruas.
Várias interpretações sobre o recado das urnas e a sua relação com o movimento das ruas podem ser feitos. A grande mídia representante da ideologia dominante que desde a época das manifestações expuseram suas versões dos acontecimentos e se esforçaram para supervalorizar as depredações causadas por uma pequena parcela dos manifestantes que com violência descontava sua raiva contra o capital despedaçando vidraças, mais uma vez apontam o “vandalismo” e “as depredações promovidas por grupos minoritários mas barulhentos” que afastaram a população das manifestações como os responsáveis também pelo pífio resultado de mudanças nas urnas.
Esquecem os senhores da liberdade de imprensa, que as mudanças já estão em curso. “Tudo muda o tempo todo no mundo” como diz o filósofo Lulu. E por incrível que pareça votar em alguns políticos que já estão no poder significa dar continuidade a mudanças que estão fazendo diminuir as recordistas diferenças sociais no Brasil e promovendo uma brutal eliminação da miséria e da pobreza absoluta que marcaram nosso passado. Votar nos novos nem sempre significa votar na mudança que realmente interessa aos que mais precisam de mudanças.
As multidões que tomaram as ruas e promoverem as jornadas de 2013 foram motivadas por sentimentos individuais e particulares. Faltou unidade programática ao movimento, da mesma maneira que faltou direção e lideranças. Alguns tentaram aproveitar-se da situação e quiseram dar o seu significado para as manifestações e fazer das suas ideias as legítimas intenções das mesmas, alguns foram mais longe e procuraram fazer-se de líderes e representantes das grandes massas nas ruas. Oportunismo que foi repelido e respondido nas urnas.
Também devemos ponderar que o sistema político em vigência desfavorece grandes e rápidas mudanças através das eleições. A história tem demostrado continuamente para a direita de nosso país que as mudanças que querem para o Brasil não passam pelo crivo das urnas e a única maneira dessa direita impor a sua vontade é através do golpe. A facilidade de reeleição dos que já ocupam cargos eletivos e o poder financeiro que patrocina as campanhas eleitorais e da origem a corrupção são barreiras que impermeabilizam a política do anseio das ruas, mas não garantem mais de forma alguma o controle da situação pela direita golpista. Uma necessária renovação da política brasileira passa necessariamente por uma REFORMA POLÍTICA que mude as regras do jogo e coloque freios no poder econômico e na perpetuação do poder sem que isso represente interromper um caminho de evolução de políticas públicas de interesse da grande maioria da população. Não vejo a direita nem seus representantes midiáticos defender as reformas estruturais necessárias ao país. Falam em mudança que significa simplesmente expulsar a atual coalisão política do poder para retroceder a um passado de privilégios.
As mudanças clamadas estão em marcha sim senhor, talvez não no ritmo desejado, talvez não no ritmo necessário e talvez não na melhor direção, mas o Brasil de hoje é um Brasil completamente diferente do que eu conheci quando era adolescente e será muito mais diferente quando minhas crianças chegarem a idade adulta. Na construção desse novo país não devemos esquecer ao trilhar o caminho das reformas tudo o que já percorremos e tudo o que já evoluímos. Com todos os seus problemas e limitações a democracia brasileira deve ser festejada e propagada a todos os povos do mundo mesmo estando em pleno e incompleto desenvolvimento. E como dizia o velho Brizola: se a Rede Globo diz que o bom é ir para lá, então nós vamos para cá.

Professor Fábio Freitas